Do Reggae aos Aflitos: A Inusitada História de Allan Cole, o Jamaicano que Conquistou o Náutico e o Coração de Bob Marley

Futebol e música, duas paixões universais, frequentemente se cruzam de maneiras inesperadas. Uma dessas histórias curiosas envolve Allan Cole, talentoso jogador jamaicano, Bob Marley, o ícone do reggae, e o Clube Náutico Capibaribe, um gigante do futebol pernambucano. Uma trama que mistura talento, amizade e a busca por um sonho nos gramados brasileiros.
No início dos anos 70, excursões internacionais eram comuns para clubes brasileiros, uma oportunidade de reforçar o caixa e divulgar a marca. Em 1971, o Náutico embarcou para a América Central, a convite de um empresário indiano, para uma série de amistosos. A promessa era de 800 dólares por partida, um alívio para os salários atrasados dos jogadores.
A jornada levou o Náutico a Trinidad e Tobago, Jamaica e Haiti, onde enfrentou seleções locais e clubes. Foi na Jamaica que Allan ‘Skill’ Cole, craque da seleção local e amigo íntimo de Bob Marley, cruzou o caminho do Timbu. A amizade com o Rei do Reggae era notória, e ambos compartilhavam a paixão pelo futebol.
Bob Marley, um entusiasta do futebol, admirava o talento brasileiro nos campos. “A Jamaica gosta de futebol por causa do Brasil”, declarou Marley em sua visita ao Rio de Janeiro em 1980, onde teve a oportunidade de jogar uma partida com artistas brasileiros como Chico Buarque e Paulo César Caju, campeão mundial em 1970. Essa admiração facilitou a vinda de Cole para o Brasil.
A diretoria do Náutico, impressionada com o talento de Cole, fez uma proposta irrecusável: jogar pelo clube pernambucano. Cole aceitou o desafio e, em novembro de 1971, desembarcou no Recife, apelidado pela imprensa de “Pelé da Jamaica”, para iniciar uma trajetória cheia de expectativas.
A chegada de Cole causou furor em Recife, que na época tinha poucos estrangeiros. Ele logo se adaptou à cidade, hospedado em um casarão utilizado pelo clube como concentração. Camutanga, seu companheiro de equipe, o descrevia como um sujeito brincalhão, rapidamente aprendendo gírias e palavrões em português.
A estreia de Cole foi em um amistoso contra o Sport, o maior rival do Náutico. Mais de 8 mil torcedores lotaram os Aflitos para ver o jamaicano em ação. Surpreendentemente, Cole marcou o primeiro gol da partida, silenciando as provocações dos jogadores adversários. O jogo terminou empatado em 1 a 1, mas Cole deixou sua marca.
“A bola veio da direita, o Allan matou no peito e deu a impressão de que estava indeciso ou pelo menos procurando a melhor posição pro chute, e aí chutou pro gol, sem nenhuma chance pro goleiro Tobias”, narrou o Diário de Pernambuco sobre o gol do jamaicano. Apesar do bom começo, a passagem de Cole pelo Náutico seria breve e conturbada.
Apesar das expectativas, Cole deixou o clube um pouco depois devido a divergências financeiras. O Náutico oferecia 200 dólares mensais, enquanto Cole exigia 400. A novela teve um novo capítulo com o retorno do jogador em 1972, após negociações intermediadas pelo médico do clube, Omar Braga.
Entre fevereiro e maio de 1972, Cole participou de algumas partidas do Campeonato Pernambucano e do Torneio Eraldo Gueiros, conquistado pelo Náutico. No entanto, o desempenho do time no Campeonato Brasileiro não foi bom, e as atuações de Cole não convenceram a comissão técnica.
A relação de Cole com o Náutico se deteriorou rapidamente. Lesões, atrasos e desentendimentos com a diretoria culminaram na rescisão do contrato em fevereiro de 1973. Cole disputou apenas 20 partidas pelo clube, marcando 3 gols. Sua passagem foi marcada por altos e baixos, mas também por momentos de alegria e curiosidade.
Após deixar o Náutico, Cole chegou a negociar com o Santa Cruz, mas o acordo não se concretizou. Ele retornou à Jamaica, onde jogou pelo Santos de Kingston e enfrentou o New York Cosmos de Pelé. Em seguida, encerrou a carreira e se dedicou à produção musical de Bob Marley.
Cole desempenhou um papel fundamental na carreira de Bob Marley, ajudando a divulgar o reggae pelo mundo. Ele também é creditado como co-autor de músicas icônicas como “War”, que tem uma frase marcante sobre a importância do brilho nos olhos em vez da cor da pele. A amizade entre Cole e Marley durou até a morte do cantor, em 1981.
A vida de Allan Cole teve seus altos e baixos. Em 2002, ele foi preso por posse de maconha na Jamaica, cumprindo pena de um ano e meio. Após ser libertado, continuou vivendo em Kingston até sua morte em setembro de 2025, aos 74 anos. Sua história, peculiar e multifacetada, permanece como um capítulo curioso na história do futebol e da música.
Fonte: http://esporte.ig.com.br