A Teoria da Praça Adotada (ou da Janela Quebrada Inversa), por Rodrigo Marcial, vereador de Curitiba

Era uma tarde ensolarada quando passeava pelo bairro Ahú e notei algo diferente em uma praça, o chamado ‘Largo Erasmo de Rotterdam’. Os canteiros, antes tomados pelo mato alto, exibiam flores recém-plantadas. O banco, que há anos carregava pichações, ostentava uma nova camada de tinta. Os brinquedos, antes quebrados, agora aprestavam cores vivas e piso adequado para as crianças pularem e tombarem. Uma placa discreta informava: “Escritório Gaia, Silva e Gaede mantém este local.”
Essa transformação ilustra o que chamo de Teoria da Praça Adotada — uma inversão poderosa da célebre Teoria da Janela Quebrada, formulada pelos sociólogos James Wilson e George Kelling em 1982. Enquanto os acadêmicos demonstraram como o descuido visível convida à desordem (uma janela quebrada não reparada sinaliza que ninguém se importa, atraindo mais vandalismo), Curitiba está provando que o cuidado também é contagioso.
Neste maio de 2025, como Vereador, tive a alegria de ver aprovado um antigo sonho meu, um projeto de lei que moderniza e expande o programa de adoção de espaços públicos em nossa cidade. Mas por que isso importa tanto?
Caminhando pelos bairros de Curitiba — do Cachoeira ao Caximba, do Orleans ao Cajuru— uma queixa ecoa: a manutenção sub-ótima dos espaços públicos de nossa cidade. Praças com mato alto, bosques transformados em depósitos de lixo (ou facas e drogas), equipamentos quebrados que nunca são consertados. O problema transcende gestões e partidos. É economia simples: o poder público sozinho não consegue cuidar de tudo – felizmente, o Prefeito Eduardo Pimentel está atento a isso.
Nova York aprendeu essa lição há décadas. O icônico Central Park, visitado por 42 milhões de pessoas anualmente, sobrevive graças à Central Park Conservancy — uma parceria público-privada que levanta mais de 60% do orçamento anual do parque através de doações e parcerias corporativas. Sem essa colaboração, o pulmão verde de Manhattan seria hoje um descampado perigoso.
Londres seguiu caminho similar com seus Royal Parks. Paris transformou jardins abandonados em oásis urbanos através do programa “Parisculteurs”. Tóquio mantém seus espaços impecáveis com o sistema de “adoção comunitária” em que empresas e associações de moradores assumem a zeladoria de parques locais.
Se metrópoles com orçamentos multibilionários precisam da sociedade civil para manter seus espaços públicos, por que insistiríamos em um modelo ultrapassado onde o estado tenta — e falha — em fazer tudo sozinho?
Os benefícios vão muito além da estética. Pesquisa conduzida na Universidade Federal do Espírito Santo em 2023 demonstrou que praças bem cuidadas registram menos crimes de oportunidade que espaços abandonados. Em Nova York, um experimento randomizado conduzido pelo Crime Lab da Universidade de Chicago demonstrou que a instalação temporária de refletores em conjuntos habitacionais reduziu crimes noturnos em 36%. Já o estudo PARCS, da City University of New York, sobre o Community Parks Initiative, constatou que moradores passaram a visitar parques renovados 66% mais do que aqueles próximos a parques não reformados.
É verdade que acadêmicos como Bernard Harcourt questionaram aspectos empíricos da Teoria da Janela Quebrada original, especialmente quanto ao policiamento ostensivo. Mas metanálises recentes, compilando dados de dezenas de estudos ao redor do mundo, confirmam o óbvio: ambientes cuidados geram sensação de segurança, estimulam a convivência comunitária e reduzem comportamentos antissociais.
A nova lei surge para facilitar e simplificar o processo de adoção, com a criação de um mapa interativo que informe todos os espaços que podem ser adotados – e que dê publicidade aos que já o foram . No passado, eram necessários meses de burocracia para uma empresa ou associação de moradores adotar uma praça. Agora, aguardamos novo decreto da prefeitura, para que em menos de 30 dias seja possível formalizar novas parcerias.
Na modalidade mais simples, as regras são claras: o adotante se compromete com manutenção básica (limpeza, jardinagem, pequenos reparos), pode instalar placas que deem publicidade ao acordo celebrado, mas está proibido de cobrar ou restringir o acesso ao público. A prefeitura mantém a fiscalização e pode rescindir o contrato se houver desvios de finalidade.
Já colhemos resultados concretos, inclusive em reformas amplas e complexas de espaços públicos. Além do Largo Erasmo de Rotterdam, no Ahú, destaca‑se o Largo Luiz Cavichiolo II, no bairro Vila Izabel, adotado pela Wise Up. Visitei ambos e posso afirmar: sua vitalidade supera, de longe, a de praças ainda não contempladas. Essa renovação é fruto da visão dos parceiros Mãozinhas Verdes, do trabalho incansável do Londrina — jardineiro aposentado da Prefeitura de Curitiba, contratado para zelar por esses locais — e do entusiasmo de voluntários como o grupo Parceiros da Praça, formado por colaboradores do escritório Gaia, Silva e Gaede. São apenas as primeiras sementes do que ainda pode florescer.
A praça adotada é a janela quebrada ao contrário. Quando um banco é pintado, convida as pessoas a sentar. Quando a grama está cortada, inibe o descarte de lixo. Quando a iluminação funciona, as famílias voltam a passear à noite e se sentem mais seguras para sair à pé e deixar o carro em casa. Cada pequeno gesto de cuidado sinaliza: este lugar importa, esta comunidade está viva.
É uma mudança de paradigma. Deixamos de ser meros consumidores de cidade para nos tornarmos seus curadores. A praça do bairro deixa de ser “problema da prefeitura” para ser extensão da nossa casa.
Curitiba sempre foi vanguarda em soluções urbanas. Criamos o BRT, revolucionamos a coleta seletiva, transformamos pedreiras em espaço para diversão. Agora, podemos liderar novamente, mostrando ao Brasil que cidade boa é cidade cuidada por todos.
A nova lei é apenas o começo. Precisamos de novo decreto a ser desenvolvido pela prefeitura, de empresas que enxerguem além do lucro imediato, de associações de moradores que abandonem a cultura da reclamação sem ação, de servidores públicos que deem agilidade e flexibilidade às novas adoções, de cidadãos que entendam que o público também é nosso.
Imagine Curitiba em 2035: cada praça adotada, cada canteiro florido, cada espaço público pulsando de vida. Não por decreto ou orçamento inflado, mas porque decidimos, juntos, que nossa cidade merece o nosso cuidado.
A teoria está lançada. A lei está aprovada. Agora é hora de praticar. Que praça você vai adotar?

